Mulheres em cena: a memória das Artes no Brasil

Texto escrito em 2014 que encontrei por aí.

O Projeto Brasil Memória das Artes, da Fundação Nacional das Artes – FUNARTE, teve início em 2000 e tem como proposta a digitalização do acervo e das coleções que estão em domínio da instituição. O objetivo é ampliar o acesso do público aos arquivos, fotografias, sonoras, textos, documentos e vídeos, que compõem a memória das artes no Brasil. Disponível no site da Funarte desde 2010, o projeto receberá cada vez mais materiais. Até o momento, dez acervos podem ser acessados: Atores do Brasil, Augusto Boal, Família Vianna, Foto Carlos, Nelson Rodrigues, Projeto Pixinguinha, Série Depoimentos, Cenário e Figurino, Sala Funarte e Acervo Walter Pinto.

Inspirado nos materiais do Acervo Atores do Brasil, o texto abaixo apresenta uma síntese da trajetória de atrizes brasileiras que atuaram em mais de uma vertente artística – teatro, televisão, cinema ou rádio – e foram importantes para consolidar as artes cênicas e o audiovisual no Brasil. Também há indicações de como explorar os materiais disponíveis no acervo digital. As informações foram construídas utilizando as referências do Projeto Memória das Artes e da Enciclopédia Itaú Cultural de Teatro.

Maria Della Costa

A atriz e produtora foi descoberta nas ruas pelo jornalista Justino Martins. Fez seus primeiros trabalhos como modelo e estreou nos palcos ainda adolescente, ao lado de Bibi Ferreira, em “A Moreninha”, de Joaquim Manuel de Macedo. Em sua trajetória artística, trabalhou com Ziembinski e se destacou em inúmeros espetáculos. Em 1948 fundou com Sandro Polloni o Teatro Popular de Artes, que fez sua estreia com “Anjo Negro”, de Nelson Rodrigues. Participou do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC) em 1951, com a peça “Ralé”, de Máximo Gorki. Ano depois, em 1954, inaugurou seu próprio negócio, o Teatro Maria Della Costa (SP) que foi projetado por Oscar Niemeyer e Lúcio Costa. A atriz faleceu em janeiro de 2015, no Rio de Janeiro.

Sonora: “Quando o país vai bem, a cultura também vai bem”, afirmou Maria Della Costa. Em entrevista, a atriz relembra montagens, artistas e produtores com quem trabalhou no teatro brasileiro. Ouça neste link, pesquisando pelo nome da atriz.

Maria Della Costa, 1956. Foto: Chico Albuquerque/Convênio MIS-SP/Instituto Moreira Salles.
Maria Della Costa, 1956. Foto: Chico Albuquerque/Convênio MIS-SP/Instituto Moreira Salles.

Dulcina de Moraes

Filha de atores, Dulcina de Moraes estreou nos palcos ainda jovem, assinando contrato com a Companhia Brasileira de Comédia. A atriz sempre teve destaque no meio, sendo considerada uma revelação. Participou de importantes companhias teatrais até que, em 1935, criou sua própria companhia junto com o marido Odilon Azevedo, a “Cia. Dulcina-Odilon”. Em 1945, ela protagonizou e dirigiu o espetáculo “Chuva”, de John Colton e Clemence Randolph. A peça estava engajada na modernização teatral e tornou-se um grande marco na carreira de Dulcina. Em 1952, foi considerava a “primeira atriz do teatro brasileiro”. Foi responsável pela criação da Fundação Nacional de Teatro, uma das primeiras escolas de formação em teatro no Brasil. Dulcina de Moraes faleceu em 28 de agosto de 1996, em Brasília.

Ninguém era mais moderno em cena que ela.” (Emiliano Queiroz, ator)

Vídeo: Dulcina, atriz e teatro é uma produção da Funarte que apresenta fotografias e depoimentos sobre a carreira da atriz Dulcina de Moraes (1908-1996) e do Teatro Dulcina. Para assistir, clique aqui.

Sonora: entrevista com Paulo Autran, que destaca a importância de Dulcina no desenvolvimento do teatro brasileiro. Para ouvir, é preciso clicar no acervo de áudios completo da Funarte e procurar pelo nome da atriz.

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Dulcina de Moraes no teatro. Foto: Fotógrafo não identificado. Acervo Funarte.

Ruth de Souza

Atuou no teatro, no cinema e na televisão brasileira. Foi ainda adolescente que Ruth de Souza entrou para o Teatro Experimental do Negro, coordenado por Abdias do Nascimento. Participou do grupo até o encerramento das atividades. A atriz estudou interpretação na Universidade de Haward e na A.N.T.A. Em 1959, foi protagonista na montagem de “Oração para uma Negra” (1959), de Wiliam Faulkner, na Companhia Nydia Licia-Sergio Cardoso. Atou em espetáculos importantes do teatro brasileiro, como “Quarto de Despejo”, inspirado no livro de Carolina de Jesus e adaptado por Edi Lima – 1960; “Vereda da Salvação”, de Jorge Andrade, com direção de Antunes Filho – 1961 e na montagem de “Vestido de Noiva”, de Nelson Rodrigues, no Teatro Brasileiro de Comédia – 1965.

Foi em 1969 que iniciou o trabalho na TV Globo na novela “A Cabana do Pai Tomás”, tornando-se a primeira protagonista negra em uma novela. No cinema, participou de aproximadamente 40 filmes. Ruth Souza já recebeu inúmeros prêmios por sua trajetória artística no teatro, na TV e no cinema. Foi a minha atriz brasileira a concorrer ao Leão de Ouro, no Festival de Veneza (1954), por sua atuação no filme “Sinhá Moça”.

No acervo da Funarte sobre Ruth de Souza é possível ver mais fotografias da atriz e ouvir uma entrevista.

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Ruth de Souza, em 1950. Foto: José Medeiros. Acervo IPEAFRO e Funarte.

Bibi Ferreira

Desde criança participou de óperas, balés e espetáculos. Uma curiosidade é que Bibi entrou no palco 24 dias após nascer, substituindo uma boneca, em uma peça que seu pai trabalhava. Em 1944, Bibi inaugurou sua companhia com “Sétimo Céu”, contratando Maria Della Costa e Cacilda Becker para trabalharem com ela. A atriz estudou direção na Royal Academy of Dramatics Arts e trabalhou com cinema na Inglaterra. Sua estreia como diretora é em “Divórcio”, de Clemence Dane. Ministrou aulas de direção e interpretação no Teatro Duse e na Fundação Brasileira de Teatro (FBT). Apresentava na TV Tupi o “Programa Bibi ao Vivo”, que levava à televisão os maiores nomes do teatro. Interpretou personagens marcantes, como Joana, em Gota d’Água, de Chico Buarque e Paulo Pontes – 1975, e Edith Piaf, em “Piaf, A Vida de Uma Estrela da Canção” – 1983, que marcou a carreira da atriz e teve grande sucesso de público. Bibi Ferreira recebeu inúmeros prêmios por sua atuação nas artes.

Para saber mais sobre Bibi Ferreira, veja o vídeo com um trecho da montagem de Gota d’Água, que ficou em cartaz até 1977.

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Carmen Silva

Carmen Silva trabalhou no rádio, televisão, cinema e no teatro. Tornou-se atriz em 1939, época em que também trabalhava na Rádio Cultura em Pelotas (RS). Atuou na Companhia Iracema e na Companhia Totó, no Paraná. Participou de radionovelas nas emissoras Tupi, América e Record e escreveu programas femininos, humorísticos e infantis. Em 1955, entrou para a Companhia Dulcina de Moraes e em 1957 foi para a Europa com a Companhia Maria Della Costa. Em 1961, passou a integrar o Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), trabalhando em espetáculos escritos por Jorge Andrade.

Carmen Silva. Acervo Funarte.
Carmen Silva. Acervo Funarte.

Em 1972 retornou a São Paulo com a montagem de “Em Família”, de Oduvaldo Vianna Filho, sob a direção de Antunes Filho. Com a peça “Mais Quero Asno que Me Carregue que Cavalo que Me Derrube”, de Carlos Alberto Soffredini, consquitou Prêmio Molière (1973). A atriz fez sua estreia no cinema em 1935, no filme “Estudantes”, de Wallace Downey. Sua primeira participação em novelas foi em “Anos de Ternura” (TV Record, 1956). Em 2002 reuniu seus textos radiofônicos no livro “Comédias do Coração e Outras Peças para Rádio e TV”. Na TV Globo, destacou-se na novela “Mulheres Apaixonadas” (2003), com a personagem Dona Flora, que era maltratada pela neta. O papel fomentou discussões sobre as dificuldades enfrentadas pelos idosos, tornando-se uma referência no assunto. Carmen Silva faleceu no dia 21 de abril de 2008, aos 92 anos.

Sonora: em entrevista realizada em 2006, Carmen Silva lembra o momento do convite para participar da sua primeira peça, na Companhia Iracema Alencar. A proposta foi feita na Rádio Cultura, enquanto atrizes do grupo divulgavam um espetáculo; lembra a época em que trabalhou com Dulcina de Moraes e declara que gosta muito do teatro e da televisão, mas prefere ser contratada, pois nunca teve ambição e habilidade para ter uma companhia de teatro. Ouça na página do Projeto Memória das Artes.

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